De Homoprotestantes quisemos falar com Cristina Conti, teóloga protestante de origem uruguaia que vive atualmente em Buenos Aires. Pensamos que podia ser interessante escutar as reflexões desta militante feminista e defensora dos direitos das pessoas lgtb, que se declara seguidora de Jesus. Cristiana Conti acedeu, com gosto, à nossa proposta. Foi um prazer dialogar com ela pela proximidade e empatia que transmite em todo o momento. Agradecemos-lhe sinceramente que tenha colaborado na entrevista que a seguir vos oferecemos. (Esta entrevista foi realizada em espanhol em março de 2014).
Cristina Conti: Sou feminista desde que tenho memória. Ainda que como menina não conhecesse o que era o feminismo, sempre me rebelei perante os limites de género e, mais adiante, perante os estereótipos de género. Quando descobri o que era o feminismo, identifiquei-me totalmente com esse movimento. Ao começar a estudar teologia, creio que foi natural que o meu feminismo informasse e moldasse a minha teologia.
Ao falar de feminismo podemos perder-nos. Como entende o feminismo?
Não há um único feminismo, mas uma enorme variedade de feminismos, saudavelmente muito diversos. Pode-se dizer, basicamente, que todos procuram a equidade de direitos para as mulheres e o fim da opressão patriarcal. Creio que é importante deixar claro que o feminismo não procura a supremacia sobre outros grupos, mas a igualdade de direitos para todos e todas. Quando percebemos que o patriarcado não só oprime as mulheres, mas também todos os grupos sem poder, compreendemos que nos devemos unir para nos defendermos uns aos outros.
De acordo com a sua experiência, o que pode contribuir a teologia para enriquecer o feminismo?
Creio que é o contrário. O feminismo pode contribuir muitíssimo à teologia, que em geral esteve presa do sistema patriarcal. O que é pior, foi funcional a esse sistema, mesmo fundamentando ideologicamente a opressão das mulheres e outros grupos sem poder. A única coisa que me ocorre que a teologia pode trazer ao feminismo é tudo o que tem que ver com a forma como Jesus se relacionava com as mulheres. Em Jesus vemos um homem claramente feminista. A voz das mulheres na teologia (salvo umas poucas exceções) só começou a ser escutada a meio do século XX, pelo que há ainda muito por fazer.
A sua é para muitas pessoas uma de essas vozes. No seu artigo “Hermenêutica feminista” falava da necessidade de que as pessoas oprimidas pelo patriarcado tenham “intuições inéditas” que põem em causa as interpretações bíblicas que reforçam o patriarcado. Pode partilhar, dar-nos algum exemplo, de algumas de essas “intuições” que teve.
Creio que a intuição que foi mais significativa para mim, como teóloga feminista, foi o aperceber-me de que todos os oprimidos pelo sistema patriarcal estamos no mesmo barco. Assim, do meu feminismo surgiu a minha militância a favor de outros grupos, como os LGBT. Creio que as pessoas que sofreram discriminação não podem ser indiferentes ao sofrimento de outras pessoas discriminadas. Não devemos defender só o que nos beneficia pessoalmente, mas solidarizarmo-nos com outros grupos vulneráveis e lutar também por outras causas justas.
Mas o que significou para si descobrir um cristianismo que, em vez de a libertar como mulher, tentou submetê-la a um sistema opressivo como o patriarcado? Não foram poucas as mulheres que acabaram por desistir e abandonaram a igreja ou mesmo a fé.
O Uruguai, o meu país natal, tem uma das mais altas percentagens de ateísmo do mundo ocidental. Creio que não é casual que as mulheres uruguaias tenhamos sido bastante livres desde há décadas. O lugar onde encontrei mais exigências de submissão foi precisamente nas igrejas cristãs. Como a minha família era ateia e eu entrei para o cristianismo já adulta, rebelei-me contra essas imposições. O que impediu que abandonasse tudo foi o exemplo de Jesus e o seu trato com as mulheres. Isso deu-me a orientação de que devia haver algo errado nos textos bíblicos que supostamente ordenavam a submissão das mulheres. E fiquei, para estudar teologia e assim lutar contra essas teologias patriarcais.
Atualmente em Espanha o Ministro da Justiça Alberto Ruíz Gallardón está a tentar fazer uma contrarreforma na lei da interrupção da gravidez para impedir que milhões de mulheres possam decidir sobre se querem, podem ou estão preparadas para serem mães. Como vê uma mulher cristã feminista essa proteção do corpo das mulheres grávidas?
Controlar o corpo das mulheres é o velho costume do sistema patriarcal. E parte desse sistema é a religião. O papel das religiões é duplamente condenável, uma vez que fornecem ao patriarcado a justificação ideológica (e pior ainda, supostamente "divina") do seu domínio sobre os grupos sem poder. Por isso, as feministas cristãs temos a obrigação de denunciar a cumplicidade da religião com o patriarcado e lutar pelo direito das mulheres de decidir sobre os seus corpos.
A irmã Teresa Forcades defende que se Deus pôs a vida nas mãos da mulher, ela é a que deve decidir sobre se a pode ou não ter. Opina o mesmo ou crê que os governos devem regular a interrupção da gravidez?
Estou de acordo com Forcades. O seu argumento de que Deus pôs a vida (e a decisão) nas mãos das mulheres parece-me uma dessas grandes intuições inéditas das que falávamos antes. Os governos devem promulgar leis que assegurem às mulheres todos os direitos, mesmo o de tomar as decisões sobre a maternidade. Digamo-lo com todas as letras: afirmar que o aborto deve ser legal não significa estar a favor do próprio aborto, mas a favor do direito das mulheres a decidir e, eventualmente, a abortar em condições seguras. No Uruguai, desde que se legalizou o aborto, não morreram mais mulheres por esta causa. Isso mostra a importância da legalização.
Muitas vezes se pergunta que terá o cristianismo para que tão facilmente possa dar cobertura e justificação ao racismo, machismo, homofobia, à morte... mesmo quando fazem parte da tua comunidade ou mesmo da tua família. Tem alguma resposta para isto?
Não creio que o problema esteja no próprio cristianismo, mas nas interpretações e nas doutrinas das igrejas. Se como cristianismo compreendemos o que nos deixou Jesus, não há justificações possíveis para nenhuma forma de discriminação. Portanto, o problema não vem de Jesus, mas dos seus seguidores. Não esqueçamos o dado de que TODOS os teólogos dos primeiros séculos – conhecidos como Pais da Igreja – eram homens da classe alta. As únicas exceções foram Atanásio e Agostinho, que eram da classe média. Não é estranho que a teologia que fizeram esses Pais respondesse aos valores da classe social a que pertenciam. Desde os seus começos, as igrejas aliaram-se com o poder e foram funcionais ao sistema patriarcal.
O respeito pela diversidade, a Palavra de Deus dirigida a todas as mulheres e todos os homens sem distinção, o amor ao próximo; baseiam-se principalmente no cristianismo, na pessoa e na mensagem de Jesus. Numa das suas respostas uniu as palavras Jesus e feminista, algo que em alguns ambientes ainda pode causar desconforto. Atreve-se a unir também as palavras Jesus e gay? Crê que esta identificação pode ajudar à libertação de muitas pessoas oprimidas pela sua orientação sexual?
Nos evangelhos, não encontro nenhum dado que me permita afirmar que Jesus fosse gay. Se houvesse, não teria problema em unir essas duas palavras, tal como não o tenho para afirmar – juntamente com muitos outros teólogos e teólogas – que Jesus era um feminista. O que sim encontro nos evangelhos de Mateus e Lucas é a história do servo do centurião e do seu jovem escravo, que obviamente tinham uma relação homossexual. Jesus nada disse a esse respeito, mas limitou-se a cumprir a petição do centurião e a louvar a sua grande fé. Em vista desta atitude de Jesus diante de uma relação homossexual, creio que caiem todos e cada um dos 6 textos que se usam contra as pessoas LGBT. Esta é uma verdade comprovável exegeticamente, pelo que pode ajudar as pessoas que foram oprimidas pela sua orientação sexual. Jesus talvez não fosse gay, mas certamente era gay-friendly… e eu sigo o exemplo do meu Mestre.
Contudo, muitas mulheres e homens lgtb fazem parte de igrejas cristãs que falam de amor e libertação, mas aceitam que o seu amor não seja reconhecido e as suas experiências de fé como pessoas lgtb não sejam tidas em conta. São estas comunidades positivas para elas? Estão sem o querer a colaborar com a homofobia? Que opina que deveriam fazer?
Uma igreja que fale de amor e libertação sem os aplicar a todos os seus membros, independentemente da sua orientação sexual ou qualquer outra característica, simplesmente é uma comunidade hipócrita e mentirosa. Tais igrejas não são positivas para ninguém e qualquer pessoa pensante (não necessariamente LGBT) deveria fugir de ali como da peste. Sempre disse que Cristo é um, mas igrejas há muitas, pelo que cada um pode assistir à que lhe pareça a mais apropriada. As pessoas LGBT são talvez as mais prejudicadas pelas igrejas conservadoras. Mas existem igrejas inclusivas e teologicamente progressistas. O meu conselho é que se informem com organizações LGBT quais são as igrejas inclusivas na sua vizinhança e que se mudem de imediato.
Há quase cinco anos o ex-presidente americano Jimmy Carter abandonou a Convenção Batista do Sul porque discriminava a mulher. Algumas vozes animavam-no a tentar mudar as coisas a partir de dentro. Qual deveria ser a resposta das pessoas heterossexuais cristãs que querem ser fiéis ao chamamento de Jesus e que veem como são discriminadas as suas irmãs e irmãos homossexuais na sua própria comunidade?
Quando soube que Jimmy Carter tinha abandonado os batistas do sul pela sua misoginia, alegrei-me e senti-me muito identificada. Em finais de 1991, saí dos batistas do sul por ser uma igreja misógina, dogmática e demasiado conservadora. Mesmo para uma pessoa influente, como Carter, mudar as coisas desde dentro em igrejas monolíticas é muito difícil. Às vezes, tem mais efeito abandonar publicamente a organização, explicando as razões. Se decidimos ficar a lutar a partir de dentro, é mais eficaz fazê-lo a partir da igreja local e não a partir da organização a nível nacional, onde a burocracia, os interesses e as lutas de poder complicam as mudanças. Ainda assim, muito pode ser feito para aumentar a consciencialização na escola dominical, nas aulas do seminário, nas reuniões caseiras e até no Facebook.
Há um mês, quando a partir do Blog Homoprotestantes recolhíamos candidaturas para o Prémio Homoprotestante 2013, rapidamente da Argentina nos propuseram o seu nome. A razão, que muitas pessoas lgtb desse país a reconheciam como uma pessoa que soube pôr-se no lugar “do outro” e “da outra” para trabalhar pela sua libertação. Para finalizar, e agradecendo-lhe a sua amabilidade, o seu tempo e as suas palavras, gostaria de lhe perguntar o que é que aprendeu trabalhando por, para e junto destas pessoas.
Creio que o mais importante que aprendi é a forma como as pessoas que sofreram discriminação cuidam umas das outras, como nunca tinha visto em outros grupos. Outro exemplo que me deram é a paciência. Vi-os a trabalhar como a formiga e esperar pacientemente pelas mudanças. Sinto-me honrada de lutar com eles, aprendendo no caminho a ser mais paciente. E o amor que me deram os meus irmãos e irmãs LGBT é muito maior que qualquer coisa que eu possa ter feito por eles e elas.
Muito obrigado, Cristina.
Entrevista realizada por Carlos Osma
Tradução de Aníbal Liberal Neves
Artigo original: "Jesús era gay-friendly y yo sigo el ejemplo de mi maestro"
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