Descreveste o teu filho como amigo dos seus amigos, como amigo dos seus pais, carinhoso, amoroso, como uma boa pessoa, um filho maravilhoso que ajudava as pessoas e que deste modo a família gostava que fosse recordado. E sempre assim deveria ser, que os nossos filhos e filhas fossem valorizados pelas suas qualidades humanas, por serem reflexo do amor com o Deus nos abençoa a todas e todos. Mas a realidade, lamentavelmente, é outra e para muitas pessoas que o facto de Samuel ser gay apagava todo o anterior. Ou pelo menos, para poder valorizar todas as suas qualidades, tinha que apagar que era gay. Sei que não vos sentis cómodos com a politização do assassinato do vosso filho, mas o auge dos ataques LGTBIQfóbicos nos últimos anos está diretamente relacionado com os discursos de ódio da ultradireita que tantos tentam branquear. Entendo que neste momento a questão política, para a tua família e para ti, é a última coisa que vos interessa e tendes direito a viver este momento tão duro na privacidade, mas também espero que a sociedade perceba quais são as consequências destes discursos de ódio à diversidade e que compreendam que é necessário torná-los visíveis.
Deu-me um aperto no coração quando pediste aos pais e mães dos assassinos que, se não podem acompanhar os seus filhos a se entregarem à polícia e a assumirem a sua responsabilidade, que orem pela sua família. E fê-lo porque foi educado nesses mesmos valores, creio que é o que a minha mãe teria dito. É com atitudes como a tua que aprendi o que significava ser evangélico, seguidor de Jesus. Li que Samuel também participava ativamente na música litúrgica da igreja. Não sei se em troca de manter silenciosa a sua orientação sexual, desejo que não, ainda que imagine que sim porque é algo que muitas e muitos de nós tivemos que passar. É tão triste e injusta a forma com que a maioria das igrejas evangélicas tratam as pessoas LGTBIQ, é tão compreensível que identifiquem o evangelho com discursos de ódio. A sua homofobia é tão pouco evangélica, é um pecado tão grande que eles estão do lado daqueles que nos discriminam. E digo-o com dor, não com ressentimento e com esperança também, por isso te peço que assumas o teu filho, sem negar nada dele, dentro da comunidade. Que não tenha que silenciar a sua homossexualidade para poder dizer que era uma grande pessoa, um grande filho, um bom cristão. Se se cala, está a negar uma parte de quem era. Também que olhes para os meninos e meninas da tua comunidade como se fossem Samuel, para poder criar uma comunidade cristã acolhedora e respeitosa para eles, como foi sempre a tua família para o teu filho Samuel.
Espero não te ter ofendido com alguma das coisas que escrevi nesta carta, só pretendia que entendesses por que o assassinato de Samuel nos mobiliza a tantas pessoas LGTBIQ, também às que compartilhamos com ele a mesma fé. Volto a dizer que não tenho, não sei palavras que possam nem sequer aligeirar um pouco a vossa dor. Mas quero acabar esta carta com algo que parece pouco apropriado neste momento, trata-se do começo de uma canção que compôs, há muitos anos, uma prima minha, e que me descobriu a cantarolar nos momentos mais complicados da minha vida, imagino que a conheces, espero que vos dê forças para vos apoiar no Deus Pai/Mãe que sofreu pela morte violenta de Jesus, seu filho: «Quão profundo é o teu amor, não o posso compreender, alto é para mim, quão imenso é. Quão profundo é o teu amor, Deus dos céus, mais profundo que o mar, é o teu grande amor. Alto é, imenso é, profundo é o teu grande amor».
Carlos Osma
Tradução de Aníbal Liberal Neves
Artigo Original: "Carta abierta a Maxsoud Luiz"
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