Um gesto de dignidade

 

A minha mãe sempre me dizia que não tinha de me preocupar tanto, que no final as coisas caiem pelo seu próprio peso. E hoje tenho de voltar a reconhecer que, como em tantas outras coisas, tinha razão. Acabo de descobrir que una pessoa que se tinha levantado contra os direitos das pessoas LGTBIQ, que tinha promovido terapias reparadoras e que tinha repetido até à exaustão que as pessoas LGTBIQ não podem ser cristãs, decidiu por fim aceitar-se e reconhecer-se como homossexual. Parece que continua a pensar na incompatibilidade entre orientação sexual e cristianismo e já não se identifica como cristã.

 
Para ser sincero não me surpreendeu a notícia, na realidade a primeira coisa que pensei foi escrito há milhares de anos: “Não há nada de novo sob o sol”. Não partilho a ideia de que por trás de uma pessoa LGTBIQfóbica sempre há uma pessoa LGTBIQ e isso não faz mais que nos revitimizar, fazendo-nos passar de objeto de discriminação, a objeto que a produz. Então não, por trás de uma pessoa LGTBIQfóbica o que sempre há é alguém incapaz de empatizar com a dor que produz a sua ignorância. Isso não nega que, como neste e noutros muitos casos, haja pessoas LGTBIQ detrás de discursos e condutas LGTBIQfóbicas.

 

Parece que esta pessoa agora se libertou e, talvez, porque ainda acredita que só os heterossexuais foram abençoados com a graça do cristianismo, abandonou a fé. Não entro aqui para comentar sobre este caso concreto porque não o conheço pessoalmente, não sei se a sua cruzada era uma fuga de si mesmo, ou se se tratava de um ególatra que queria chegar a ser alguém à custa do sofrimento dos demais. Seja o que for, a verdade é que se esta pessoa vivia num ambiente fundamentalista, o melhor que se pode fazer é sair dali, rodear-se de gente equilibrada que a ama e procurar ajuda psicológica. Boa sorte e que seja feliz! E se for possível, que algum dia possa descobrir que a mensagem de Jesus não tem nada que ver com a homofobia nem com o fundamentalismo, mas com o amor e a liberdade.

 

O que contei até aqui, foi a minha primeira reação à notícia, contudo, depois senti uma certa indignação e digo-o tal como o sinto. Muitos colaborámos com a LGTBIQfobia em algum momento da nossa vida, uns mais e outros menos, umas de forma mais ativa e outras por simples omissão. E é lógico e compreensível, fomos quase obrigados a ser “supergirls” para enfrentarmos o mundo inteiro quando nem sequer tínhamos saído da infância e nem toda a gente serve para super-heroína. Eu gostaria de ter visto aqueles que levantam o seu dedo acusador se estivessem na nossa situação! Mas voltando ao tema da minha indignação, que creio que é onde reside o importante, penso que a aceitação da nossa identidade sexual ou de género não pode apagar de uma só vez as nossas responsabilidades. E se causamos dano a gente no passado (não me refiro a quem nos amava a todo o custo, cisgénero e heterossexuais), então deveríamos pedir perdão, ou pelo menos poderíamos tentar pôr ligaduras em algumas feridas.

 

Reitero o que disse. Há momentos em que não é suficiente reconhecer-se, por fim, como LGTBIQ e estar disposto a viver sem mais enganos. Se uma pessoa colaborou com instituições cristãs que promovem a LGTBIQfobia e vendem os discursos de ódio como evangelho, se sabe, porque participou e as promoveu, que estas instituições amparam terapias reparadoras a jovens e adolescentes; então tem a responsabilidade moral de deixar de pensar em si próprio, levantar a voz e denunciá-lo. Tem que tornar pública a falsidade do discurso de amor ao próximo com o que estas instituições mascaram a sua profunda homofobia e explicar o risco em que colocam muitas pessoas LGTBIQ, a maioria delas jovens e adolescentes que nasceram dentro das comunidades cristãs que representam. Não é ético dizer: Eu já me libertei!, quando se colaborou na opressão de tanta gente. A sua denúncia é difícil que faça mudar de hoje para amanhã essas instituições que se dizem cristãs, mas pode ajudar a escapar delas muita gente, ou mesmo pode salvar-lhes a vida.

 

Quando alguém sente que não tem forças para enfrentar o seu passado, e o único que quer é virar a página e esquecer, o que melhor pode ajudá-lo a compreender o que é correto, o que se deve fazer, é pôr-se na pele de todas as pessoas LGTBIQ a quem enganou durante tanto tempo e recordar cada uma das coisas que lhes dizia para lhes destroçar a vida. Eu creio que uma vez isto feito, só se pode ser humanamente obrigado a fazer um gesto de dignidade pedindo-lhes perdão e denunciando as instituições com que colaborou. Não se pode mudar o passado, mas sempre se pode tentar que não se volte a repetir para evitar mais sofrimento. Talvez essa seja a única forma de dar um mínimo de sentido ao que ocorreu.

 

Carlos Osma

Tradução de Aníbal Liberal Neves

Artigo original: Un gesto de dignidad

 

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