Populismo, política, medo e cristianismo
A mim o conceito de
políticos cristãos dá-me arrepios e jamais me ocorreria votar num partido
político que pretendesse moldar a Constituição e a democracia à sua particular leitura
da Bíblia. Sei que noutros lugares se vive de maneira diferente, mas na Europa
temos certa alergia a este tipo de propostas, já que a experiência histórica
não tem sido boa. Por outra parte, como a maioria das políticas cristãs estão
baseadas em reafirmar os direitos dos homens heterossexuais brancos, ricos e
conservadores, um homem gay como eu vive-as como uma ameaça. E finalmente opino
que, se a estratégia mais evangélica de transmitir as boas novas de Jesus
passasse por ter o poder político suficiente para as poder impor, o próprio
Deus teria feito nascer Jesus na casa do Imperador César Augusto.
O que é mais
incompreensível, ou de acordo como se olhe, o que mostra a essência do
evangelicalismo, são os companheiros de viagem que escolheram para alcançar o
antes possível os seus fins. Nos Estados Unidos, por exemplo, aliou-se com
Donald Trump, de que todos conhecem os seus affaires com prostitutas a troco de
dinheiro, que chamou animais a pessoas imigrantes indocumentadas, ou que fez
twits com insultos racistas a várias pessoas afroamericanas dizendo que têm um
baixo coeficiente intelectual. No Brasil, levou à presidência Jair Bolsonaro,
que se posicionou a favor do livre comércio de armas, da tortura, que reconhece
ter falhado com o seu quarto filho porque lhe saiu mulher e que pensa das
pessoas que vivem nas quilombas (comunidades de afrodescendentes) que não
servem nem para procriar. E poderíamos continuar com as bancadas evangelicais
noutros países da América, mas para não me alargar acabarei com um toque
humorístico (se não fosse pelo patético que acarreta) e fixar-me-ei na (graças
a Deus) irrelevante comunidade evangelical espanhola que, no seu meio de
comunicação por excelência, Protestante Digital, dá cobertura mediante uma
entrevista a um partido populista de ultradireita, anti-imigração e anti islão
como VOX.
Parece evidente que o
evangelicalismo escolheu o medo como motor de mudança social. Falava com uma
amiga que vive em São Paulo e que me comentava que havia sido o medo pela
insegurança cidadã que se vive em muitas cidades do Brasil o que levou
Bolsonaro à presidência. Também foi o medo às minorias o que levou a América
branca a votar em Donald Trump. Medo a ficar sem trabalho, a que fique com ele
um estrangeiro. Medo da minoria evangelical espanhola ser repudiada, ignorada
até à saciedade pelos poderes políticos. Medo de que os valores tradicionais
não sejam os hegemónicos. Medos de que as suas filhas se convertam em
feministas lésbicas, porque o incutem no colégio. Medo de que um cristão não
possa verbalizar livremente as suas posições machistas ou transfóbicas. Medo de
que o ocidente perca a sua identidade cristã. Medo, medo e mais medo… Os
evangelicais sentem-se atacados e têm medo. Por isso se revoltaram e decidiram
defender-se com unhas e dentes.
Não partilho a ideia dos
que consideram que o cristianismo deve ser apolítico… Sei que é possível viver
a fé cristã como uma evasão, como esperança num além que não tem conexão real
com o mundo, nem capacidade de o transformar. Mas não tenho muito claro que
estas visões cristãs da evasão se possam suster com o evangelho. O cristianismo
é político porque fala de uma implicação na vida real das pessoas para as
dignificar e também da natureza para a proteger. Mas nego-me a acreditar que
seja o medo quem deva fundamentar as suas políticas. Como qualquer outra dimensão,
deve estar relacionada com o acontecimento da cruz e a ressurreição de Jesus. E
ali revela-se um Deus que sofre pela injustiça, um Deus que não é abstração,
mas que se deixa vislumbrar num ser humano marginal e incómodo que tentou
dignificar e libertar outros seres humanos, mas que foi crucificado por um
poder que se sentiu ameaçado por ele. Frente a esta injustiça, a cruz não apela
ao ressentimento, a levantar muros para se proteger; nem à imposição política
da fé cristã, mas à esperança. Mas não para nossa esperança, mas para a
esperança de Deus. Porque o Espírito de Deus que ressuscitou Jesus abre-nos ao
futuro e à vida, a levantar das tumbas os que são injustamente tratados, à
solidariedade, à paz e ao respeito por toda a criação. Talvez estes princípios
nos possam levar a nos aproximarmos a diferentes posicionamentos políticos, mas
são incompatíveis com aqueles outros que não respeitam os direitos de todos os
seres humanos e são insensíveis à diversidade na criação divina.
As políticas que nascem
do evangelho, são políticas fundamentadas na esperança. E são só estas
políticas as que podem dar resposta à complexidade das nossas sociedades. São
políticas afastadas sempre dos populismos, porque são incómodas, porque a todas
e todos nos fazem perder um espaço de privilégio para compartilhá-lo com outros
seres humanos. Não vivem das sondagens, nem do ressentimento, nem do poder de
convicção dos meios de comunicação. Nem do medo, nem da esperança em construir
um mundo que funcione sob os princípios morais que os evangelicais consideram
cristãos. Vivem da esperança concreta em cada ação de libertação e dignificação
nos nossos próximos e em quem consideramos que não o são.
Toca-nos agora
levantarmo-nos contra os populismos evangelicais para os desmascarar como populismos
do medo, não do evangelho. Alegra-me saber que há movimentos cristãos em todo
el mundo que se atrevem a denunciar as políticas evangelicais que se uniram à
ultradireita, como políticas que atentam contra a dignidade dos seres humanos,
contra o evangelho. Vivemos tempos de convulsão, onde muitas pessoas querem
acreditar nas receitas simplistas dos populistas e onde os evangelicais não
vêem outra saída para as suas propostas inoportunas senão aliar-se com líderes
políticos ultraconservadores. Em vez de ir para o precipício, para a
autodestruição, devemos convidá-los para que ponham, de novo, o seu olhar na
cruz para reorientar as suas posições. Há muita dor e falta de sentido na cruz,
mas ali revela-se-nos de forma clara qual é a única maneira de transformar o
nosso mundo: com esperança incorporada encarnada naqueles que não contam, para
conseguir um mundo de iguais na diversidade, que respeite toda a criação.
Carlos Osma
Traduçao de Aníbal Liberal Neves
Artigo original: "Populismo, política, miedo y cristianismo".
Comentarios