DUAS FAMÍLIAS HOMOPARENTAIS CRISTÃS: REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS.
Testemunho de Carlos Osma e Esther Baruja
Carlos Osma (CO): Grávidas! Felicidades
às duas. Suponho que o caminho para aqui chegar não começou só há uns meses.
Quando planeaste pela primeira vez que querias ser mãe? Imaginaste naquele
momento que partilharias a maternidade com outra mulher?
Esther Baruja (EB): Obrigado! Kati e eu
estamos muito contentes. Começámos a pensar ter filhos desde que começámos a
nossa relação há 10 anos, mas nessa altura não falávamos de gravidez mas de
adoção – que algum dia ainda desejamos fazer. Com o tempo fomos recolhendo mais
informação sobre a gravidez com dador, primeiro em Buenos Aires onde vivemos
uns anos e onde contactámos com uma clínica de fertilidade e um banco de
esperma pela primeira vez.
Sempre gostei de crianças, sempre quis ter filhos/as
próprios, nunca, contudo, estive muito de os querer parir! (ahah). Antes de
estar com Kati nem sequer imaginava uma vida possível fora do armário, a
questão da maternidade estava simplesmente fora mesmo dos meus próprios sonhos.
E para ti Carlos e para o teu marido, como nasceu em vocês a
ideia de ter filhos/as?
CO: A verdade é que creio que
sempre dei por certo que algum dia teria filhos, imagino que nascer numa
família numerosa tem muito a ver com isso. Quando aceitei a minha
homossexualidade, pensei que renunciava não só à família que tinha, já que
pensava que não me aceitariam, mas também à que poderia formar no futuro;
refiro-me a enamorar-me e ser pai. Ser homossexual, limitava-me e situava-me
noutro espaço que não era o da família e do amor, mas o da solidão e do sexo
esporádico.
Mas essa ideia durou pouco, no final foi-me impossível
renunciar à possibilidade de conhecer alguém e enamorar-me, não pude tão pouco
deixar de criar uma família onde a biologia não fosse o mais importante. Não
creio que seja a opção correta, nem a melhor, nem a que te faz melhor pessoa,
nem a que todo o mundo deve seguir… mas é a opção que a mim me faz feliz. Tenho
um marido maravilhoso e duas filhas estupendas… não acreditei no discurso que
me marginalizava, pelo que não pude seguir as suas normas.
Diferente da nossa experiência, no vosso caso a biologia
joga um papel diferente, a tua esposa será a grávida. Como vos posicionais
sobre esse tema? Credes que isso pode ser um elemento positivo, negativo ou não
lhe dais nenhuma importância? Suponho que já sabeis que o mundo necessitará
saber quem é a “mãe de verdade”.
EB: Uma ou outra pessoa perguntou
“quem é a mãe” como dizendo que só quem gera a criatura é a verdadeira mãe,
felizmente a maioria das pessoas à nossa volta assimilou a ideia de que as duas
somos mães, ainda que seja só uma a ficar grávida. Talvez se deva a que em
Chicago, o lugar onde vivemos, as adoções são vistas com muita naturalidade
assim com as famílias diversas de duas/dois mães/pais onde não existe o laço
biológico em um ou em ambos os casos. Sou originariamente do Paraguai, América
do Sul, e estas realidades também existem aí, mas não existe o mesmo tipo de
transparência no sentido de que não se fala do assunto abertamente justamente
pela crítica e a possível rejeição. No nosso caso particular, estando fora do
armário com muita visibilidade e falando/escrevendo sobre a nossa experiência
talvez seja mais factível que realizem comentários acerca da conformação da
nossa família, de forma negativa ou positiva.
Kati e eu falámos muito sobre os nossos papéis de mãe
grávida e mãe não-grávida. Chegámos a conclusões interessantes sobre a nossa
própria relação nestas discussões. Primeiro que a decisão de ter um filho/a foi
das duas, nenhuma de nós o teria feito só porque no nosso caso específico
necessitamos uma companheira para realizar este projeto, o qual não significa
que não apoiemos às pessoas solteiras que decidam ter filhos. Então, desde o
início este/a futuro/a bebé é nosso/a, não só da que o/a gera no seu ventre. É
um projeto de amor das duas.
Por outro lado, estamos conscientes de que perguntaram não
só “quem é a mãe”, mas também “quem é o pai”. Entendemos que ainda na
mentalidade de muita gente a família é concebida somente com o componente de
identidades de género binárias – homem e mulher, ou seja família quer dizer:
“papá, mamã, que procriam filho e filha”, nesta ordem de importância. Este
modelo binário de revista nunca representou a realidade das sociedades onde as
famílias sempre estiveram diversamente conformadas (avós/avôs, tias/os,
padrinhos/madrinhas, amigos/parentes afastados criando filhos/as próprios e
alheios, assim como de pessoas sem vínculo biológico que decidem ser família
sem que existam crianças pelo meio).
No nosso caso não há pai mas dador anónimo. O que há são
duas mães iguais em responsabilidades e em direitos legais. Enquanto falamos
mais abertamente sobre as nossas realidades os estigmas ir-se-ão desmantelando
e chegará um dia em que seja comum visualizar distintos tipos de famílias e
será plenamente aceite socialmente o que há muito existe.
E conta-me, como contestam essas perguntas?
CO: Poderia contar-te algumas
histórias. Recordo por exemplo que quando a minha filha Natalia era pequena
costumava levá-la comigo ao mercado e a mulher que nos atendia sempre me dizia:
“a tua filha tem os teus olhos,
pareceis-vos muitíssimo”. Eu não entrava em explicações até que um dia
Manel, meu marido, veio connosco e a senhora quase cai ao chão de assombro
quando Natalia lhe apresentou o seu outro pai. Noutra ocasião, entramos numa
loja e a empregada, muito mal-educada perguntou à nossa filha qual era o “pai de verdade”… Natalia não compreendia
nada, e um pouco surpreendida acompanhou-a até onde nós estávamos e disse-lhe:
“eles os dois são os meus pais de verdade”.
Também nos ocorreu uma vez uma situação um pouco comprometida, mas com a que
nos rimos muito quando a recordamos: convidaram-nos para o aniversário de uma
menina que não conhecíamos, quando chegámos apresentaram a Natalia e
explicaram-lhe que nós eramos os seus pais. Nesse momento a menina começou a
chorar desconsoladamente porque ela só tinha um pai. A sua mãe e o seu pai
estiveram um bom tempo a consolá-la.
Mas se aprendemos alguma coisa nestes seis anos, é que o
mais importante não é o que os outros pensam sobre a nossa família, mas
proteger as nossas filhas dos ambientes que ainda não são benéficos para elas.
E para tratar de o conseguir fizemos duas coisas que cremos importantes. Por um
lado tentamos procurar sempre ambientes seguros para elas, controlar os espaços
onde se movem (escolas, atividades extracurriculares, amizades…) e sermos nós
os que “tiremos do armário” a nossa
família. Na realidade é nossa obrigação faz^-lo, não a sua. Uma das decisões
mais difíceis neste sentido foi romper a relação com familiares que não
aceitavam realmente o nosso modelo familiar.
Em segundo lugar pensamos que é importante que as nossas
filhas não vivam só das nossas explicações, dos nossos relatos, mas que entrem
em contacto com modelos familiares como o seu, e com outros modelos que lhes
permitam ver uma grande diversidade. É por isso que fazemos parte de uma associação de famílias lésbicas e gays. Quando lhes explicamos que existe
diversidade na forma de construir uma família ou na forma de a configurar,
sempre têm modelos próximos para o entender. Têm amigas e amigos com dois pais,
ou com duas mães, ou com uma, ou com um pai… que nasceram por sub-rogação,
foram adotadas, acolhidos… entendem que a biologia só é uma possibilidade mais
quando se fala de família. Foi há muito pouco que Natalia nos disse que tinha
dado conta que existem menos famílias formadas por dois homens ou duas
mulheres. Explicamos-lhe, então, que tinha razão, que se passava algo parecido
como as pessoas esquerdinas (ela e Manel são esquerdinos) que são poucas… mas
que em qualquer equipa de futebol de que se preze (ela gosta do Barça), sempre
é necessária uma pessoa que vá corredor esquerdo.
O que gostaria, agora de te perguntar, não sei se o
verificaram, é se o vosso modelo familiar pode trazer alguma mais-valia para a
vossa/o futura/o filha/o. Vedes alguma vantagem ao facto de sereis duas mães?
EB: Que bom que tenham esse grupo
de famílias lésbicas e gays! Na nossa igreja em Chicago temos vários modelos de
famílias representados e se permanecemos nesta cidade procuraremos outros
grupos que sabemos que também existem aqui.
Sobre a tua última pergunta, vejo a vantagem, por uma
questão prática, de que sejamos duas pessoas apoiando-nos mutuamente para criar
uma criança, contudo, não me apercebi que o género dos pais/mães seja uma
vantagem per si. Sim, creio que a
perceção que tem a sociedade sobre as mulheres e os corpos femininos é que a
maternidade é um destino inevitável para nós e que indefectivelmente nos
assenta bem. Por esse motivo talvez percebam que ter duas mães poderia ser
benéfico para a criança, ainda que no imaginário coletivo está a ideia de que “mãe há só uma”, e esse é um mito
idolatrado principalmente no Dia da Mãe, que é possível que seja em desafio com
que lidar no futuro. Por outro lado, como somos duas mulheres, existem outras
expectativas sobre nós, como poe exemplo o sacrifício que se espera das
mulheres para serem consideradas boas mães.
Segundo a minha experiência os maiores obstáculos consistem
em enfrentarmos os preconceitos da sociedade, seja quando saí do armário
abandonado o ministério cristão estudantil em que trabalhava, assim como quando
decidimos casar-nos, e agora ter um filho(a). Os defeitos que nos viam e os
problemas que nos auguravam tinham e têm relação com a sua cosmovisão de
heteronormatividade obrigatória para toda a humanidade. As suas supostas
campanhas sobre a “defesa da família”
estão baseadas em crenças sem fundamento relativamente à orientação sexual e às
identidades de género.
Por isso não creio que o género dos pais/mães seja indício
de ter filhos/as sãos, felizes e ajustados emocionalmente, mas que vezes sem
conta as investigações sérias em Psicologia demonstram que o mais importante na
família é o amor, o respeito e a solidariedade que se vive e demonstra entre os
seus membros.
Só acrescentaria que a prova de que somos mulheres é que
ambas somos feministas e desenvolvemos um sentido de solidariedade fraternal, e
espero que possamos transmitir-lhe esse sentido de justiça e paz ao nosso/a
filho/a seja qual for a sua identidade e expressão de género. O nosso modelo
familiar já por si dá a volta às ideias fixas do modelo único de família
patriarcal.
Como foi para vocês serem dois pais de duas meninas?
CO: Não há muito tempo a nossa
filha disse-nos que quando for mais velha gostaria de ser lésbica, depois
perguntou-nos se no acaso de que não fosse assim nós gostaríamos igualmente
dela. Rapidamente fizemos-lhe ver todas as pessoas de que gostamos e são
heterossexuais e explicámos-lhe que o que nós gostávamos é que ela fosse feliz,
como casal (fosse de que género fosse) ou vivendo uma vida independente. A
verdade é que depois, quando Manel e eu falámos sobre o que nos tinha dito,
perguntámo-nos que teríamos feito para que ela pensasse que preferíamos que
fosse lésbica… mas chegámos à conclusão de que estávamos agindo bem, porque
nenhum menino ou menina da sua turma perguntou à sua mãe e ao seu pai se lhe
quereriam de igual modo se se enamorasse por uma pessoa do seu mesmo sexo.
Penso por essa razão, e por muitas outras, que as nossas filhas serão muito
mais livres no momento de decidir, de ver o mundo da afetividade e da
sexualidade, que a maioria das meninas e meninos da sua idade. Creio que serão
meninas tolerantes e flexíveis.
Por outra parte, nós vivemos numa cidade cosmopolita e
integradora como Barcelona, contudo, quando estávamos pensando em ser pais do
que falávamos mais era de como as teríamos que proteger da homofobia. Na hora
da verdade isto não foi o problema mais importante (ainda que seja evidente que
ainda faltam muitas coisas urgentes para fazer, sem ir mais, longe nos centros
educativos, nos meios de comunicação, etc), mas o machismo. Sei que há
muitíssimas famílias heterossexuais que tentam não transmitir estereótipos de
género que limitem os seus filhos e filhas, mas tal e como indicam todos os
estudos (e a nossa experiência), as famílias heterossexuais continuam tendo um handicap muito grande neste ponto. As
nossas filhas, contudo, não recebem uma educação sexista em casa, não pensam
que por serem mulheres tenham que fazer uma coisa ou outra, ou que no futuro
numa relação tenham um papel determinado a realizar. O nosso modelo familiar
põe de lado todo esse discurso que atribui papéis e obrigações aos géneros.
Vejamos o exemplo, somos dois homens que temos que partilhar todo o trabalho da
casa, e a atribuição de tarefas não é decidida pelo nosso género, mas por
acordo no qual esse elemento não tem nenhuma influência. As nossas filhas não
só integram com naturalidade tudo isto, como, também, na realidade o transmitem
de uma ou outra forma aos seus amigos e amigas… Sinceramente, penso que as
nossas famílias aceleram, pelo menos nos seus meios, as mudanças sociais em
temas como a igualdade de género.
És uma pessoa cristã com formação teológica e imagino que
quererás transmitir a fé à vossa/o filha/o. Permite-me duas perguntas: Como
colocas este assunto? Crês que as nossas famílias, a nossa experiência, podem
trazer algo às igrejas?
EB: Sim, identifico-me como
cristã, mesmo a Kati conhecia-a quando ela era missionária no Chile para o
movimento estudantil associado à CIEE (Comunidad
Internacional de Estudiantes Evangélicos), e em seguida quando começámos a
nossa convivência em Buenos Aires colaborámos com CEGLA (Cristianos Evangélic@s LGBT de Argentina)
e com a Fundación Otras Ovejas. Agora nos
Estados Unidos estou no processo de ordenação pastoral com a Iglesia Unida de Cristo (UCC, siglas em inglês). La UCC é uma
denominação que celebra o pluralismo e o ecumenismo assim como as relações
interreligiosas e ao mesmo tempo continua sendo, primordialmente, uma
instituição cristã.
Já me graduei no ano
passado mas quis mencionar que no meu seminário, Chicago
Theological Seminary, há alunos/as e professores/as que representam uma
grande variedade de denominações cristãs e mesmo existem os/as que professam
outras religiões, é assim que académicos muçulmanos e judeus dão aulas
normalmente junto com os/as cristãos/ãs.
Definitivamente as nossas perspetivas expandiram-se muito
desde os tempos em que fazíamos parte de igrejas conservadoras. E mesmo para
honrar a tradição familiar de Kati que é de descendência judia, também
estivemos presentes na Sinagoga. São situações que dentro da borbulha
fundamentalista onde estávamos jamais nos teria ocorrido poder viver. Nesse
sentido a procura de sentido das realidades com as quais nos enfrentamos pela
nossa orientação sexual dentro da igreja cristã foi a que nos impulsionou a
descobrir outras interpretações sobre a vida e a fé.
Ainda que seja inevitável que o cristianismo seja a
constante experiência para a criança, faremos todo o possível para que o/a
nosso/a filho/a tenha a possibilidade de poder estar exposto/a à diversidade de
crenças e tradições e que tenha as ferramentas para decidir por si mesmo/a
chegado o momento, não é minha intenção “transmitir
a minha fé” porque não queria impô-la à criança só porque viverá comigo.
Uma das vantagens que temos é que a nossa igreja é muito
diversa e fazemos parte de um movimento ecuménico e de relações entre distintos
credos, muito ativo em Chicago que nos oferece muitas possibilidades de
participação e diálogo.
Um dos contributos das nossas famílias para a igreja é que
demonstrámos que as interpretações, por mais misericordiosas que soem e por
mais oficiais que sejam, podem estar equivocadas. A homo/les/bi/transfobia
enraizada e promovida a partir da fé perdeu a batalha cultural e com isso não
digo que não exista e que não continue a magoar muita gente, mas que a perceção
sobre o respeito pelos Direitos Humanos já incluem as comunidades LGBT em
vários países Latinoamericanos e esse foi um grande passo na região. Ainda há
muito por fazer no mundo.
Igualmente as nossas famílias diversas e visíveis colaboram
para que haja mudanças de mentalidade na restruturação dos modelos de família e
renovam o conceito familiar para fazê-lo mais extenso e inclusivo. Felizmente,
muita gente chegou a reconhecer e a aceitar os nossos modelos que podem ou não
estar baseados na biologia. E isso é bom, não só para o sentimento de pertença
familiar de casais do mesmo sexo com filhos e filhas, mas também para aquelas
pessoas que o modelo binário heteronormativo (papá/mamã/filhos) deixava de fora
como se estas não pudessem ser nem ter família por serem solteiras sem
filhos/as, viúvas, divorciadas, jovens, idosas, com distintas capacidades e
realidades diversas. A ampliação do conceito de família não criou a realidade
porque essas e outras famílias já existiam/existíamos, mas para nós já era
verdade que os nossos círculos de afeto, respeito, solidariedade e carinho sem
laços biológicos são tão família como a do vizinho.
Qual é a posição da tua igreja, se é que frequentam alguma,
no que diz respeito aos distintos de família?
CO: Tanto Manel como eu crescemos
em igrejas evangélicas conservadoras… De facto foi ali, num momento onde ambos
nos sentíamos mais afastados desse tipo de espiritualidade, onde nos conhecemos.
Chegou o momento em que era absurdo permanecer nesse ambiente, pelo que
começámos a frequentar e a participar numa igreja de origem metodista com uma
teologia liberal, socialmente comprometida e aberta ao diálogo tanto ecuménico
como inter-religioso. De facto foi como um “balão
de oxigénio” para a nossa fé formar parte dessa comunidade durante quase
dez anos, temos grandes recordações; o dia do nosso casamento, por exemplo. Mas
quando decidimos ser pais as coisas mudaram, pelo menos para nós. A nossa
família teria sido uma mais dentro da comunidade, mas na realidade sem ser
reconhecida de maneira oficial… essa foi a razão pela qual decidimos deixar de
formar parte dela. Não podíamos educar as nossas filhas numa igreja onde a sua
família não existe. Foi dura a decisão, mas também não creio que tivéssemos
outra opção, A homofobia de baixa intensidade pode ser largamente mais
prejudicial para as famílias LGBT.
Pessoalmente penso que transmitir a fé faz parte da nossa
responsabilidade como pais. É o que fazemos também quando as educamos
dando-lhes valores, uma maneira de ver a vida e de a ela se enfrentar, etc…
Além disso creio sinceramente que o cristianismo tem muitas coisas que pode
fazer delas melhores pessoas, abri-las ao mundo e à transcendência e dar
sentido às suas vidas. É evidente que também tem elementos perigosos que
poderiam fazer-lhes dano; tentamos ser críticos e honestos. Sei que outras
tradições religiosas, espirituais ou outras posições vitais podem dar-lhes
muito, assim tentamos que não as vejam como inimigas. O respeito e o diálogo
com quem pensa (não só é) diferente as pode enriquecer… a diversidade não é um
perigo, mas uma oportunidade. Digamos que as educamos com uma visão aberta do
cristianismo… depois lá decidirão elas se isso lhes serve, se têm que juntar ou
tirar alguma coisa, ou se simplesmente necessitam de outras respostas de outros
lugares.
Faz agora três anos, começámos a reunir-nos em Barcelona um
grupo de cristãos LGBT, daqui surgiu a Comunitat Protestants Inclusius Barcelona, da que fazemos parte e onde trabalhamos conscienciosamente para que muita gente da nossa cidade possa ter uma comunidade aberta
onde viver a sua fé em liberdade, de maneira aberta e plena. Uma comunidade
onde a diversidade é importante, também a diversidade familiar, não para
excluir mas para partilhar, para crescer. E nesse projeto estão as nossas
filhas connosco… acompanhando-nos e aprendendo. Nesta comunidade o que dá
sentido à família é o amor, não que tenham sexos diferentes, o mesmo sangue, ou
que haja um reconhecimento legal.
Gostaria de te fazer uma
última pergunta antes de terminar: há uns dias o Papa Francisco definiu as
famílias lésbicas e gays como uma “colonização
ideológica” que procura destruir a família. Onde crês que se perderam?
Porque crês que pessoas destacadas como ele são incapazes de ver o amor de Deus
nas nossas famílias? Como é possível que não se alegrem da felicidade que tu e
a tua esposa vivem neste momento?
EB: São palavras infelizes do
Papa Francisco. Não nos fazem bem como sociedade já que reafirmam os
preconceitos sobre as nossas famílias. Ele carateriza-se pela ambiguidade das
suas posições no que diz respeito a assuntos controversos, às vezes soa muito
progressista e dentro da mesma entrevista afirma todo o contrário ao anterior.
Nos nossos ambientes evangélicos/protestantes temos também pessoas com outro
tipo de discurso duplo, os famosos “nem frios, nem quentes”, que nos corredores
e em reuniões privadas nos dão apoio, mas escondem-se quando mais necessitamos
deles para mostrar uma figura pública do cristianismo mais humano, como o de
Jesus (manifestações em “defesa da família”, congressos para “curar” gays).
Estas pessoas têm muito medo de perder as suas posições de
privilégio nas instituições religiosas. Creio, principalmente, que é falta de
amor ao próximo que os impede de proclamar uma voz profética em favor dos
excluídos/as. Estão também os/as cristãos/ãs que crêem que as nossas
orientações sexuais, identidades de género e relações de amor e afeto são
intrinsecamente pecaminosas. Muitas vezes eles/as não ouviram o outro, mas
repetem as teologias conservadoras que receberam nos seus templos como se
fossem a única e possível interpretação dos textos bíblicos. Por isso creio que
a educação e o estudo bíblico com todas as ferramentas hermenêuticas
disponíveis são a chave para desmantelar a homofobia na igreja cristã. Conheci
pessoas sem conhecimento suficiente sobre o tema que têm boa intenção ao pregar
o arrependimento às pessoas LGBT, mas as suas ações causam muito dano e o
sabem, mas preferem defender dogmas que defender a dignidade das pessoas.
Existe outro tipo de cristãos/ãs que tiveram a oportunidade
de estudar outros pontos de vista, que leram e investigaram mas, mesmo assim
negam-se a mudar de postura, recusam baixar do seu pedestal de suposta
superioridade heteronormativa, rejeitam ver-nos como iguais em direitos, não
nos reconheceram como seres humanos, mas como o “outro/a”, o inimigo, o
“não-eu”.
Todas estas posições tentam desumanizar-nos, esquecendo que
todas e todos fomos feitos à imagem de Deus, somos Imago Dei. Creio que a causa desta penosa situação é o facto de
ignorar os dois mandamentos que resumem toda a lei, “amar a Deus e amar o
próximo como a si mesmos/as”.
Creio que eu também o esqueço às vezes e não reconheço que
também fui chamada para os/as amar como a mim mesma. Ainda que faça a ressalva
que mesmo na minha indignação perante a injustiça que a comunidade LGBT sofre,
jamais tentaria negar-lhes direitos, humilha-los/as, excluí-los/as, em
ameaça-los/as pela sua forma de pensar e/ou atuar diferente de mim. Espero que
mais e mais pessoas conheçam as nossas famílias e possam ver que não somos de
outro mundo, mas que somos tão iguais e tão diferentes como cada habitante
deste formoso e diverso planeta. Que o que nos une é a nossa humanidade comum.
Como vês a situação da comunidade LGBT na Igreja cristã na
tua cidade e país? Dão-se as mesmas dinâmicas?
CO: Bom, partilho cada uma das
palavras de disseste… nas igrejas evangélicas espanholas é dominante o discurso
que nos rejeita, um discurso baseado em preconceitos, ignorância e falta de
empatia. Vamos lá, um discurso completamente alheado do evangelho. Contudo,
também é certo que nesse contexto tão adverso também há pessoas e comunidades
que não se calam e se atrevem não só a negar o discurso oficial, mas também a
acompanhar e ser acompanhadas por pessoas LGBT. Daqui simplesmente se aprende,
daqueles que entendem que a justiça não tem que ver só com o que a eles ou a
elas lhes ocorre, mas com o que ocorre às pessoas ao seu redor.
De qualquer forma tornamo-nos conscientes do quão perigosas
são as abordagens cristãs que estão baseadas numa suposta possessão da verdade.
Perigosas não para a maioria da sociedade que os vê como radicalizados, mas
para as próprias comunidades evangélicas, já que aqueles que padecem as
consequências dos discursos de ódio para com as pessoas LGTB são as pessoas
LGTB que formam parte dessas comunidades, bem como os seus familiares e amigos.
A maioria das pessoas evangélicas LGBT em Espanha continuam dentro das igrejas,
muitas estão casadas com pessoas de sexo distinto, outras têm
responsabilidades, etc… e interiorizaram um discurso que os castrou, por não
repensar a “verdade absoluta” que
defendem aqueles que têm medo, ou são incapazes, de enfrentar o evangelho com a
realidade. Esperemos que pouco a pouco toda esta ideologia patriarcal caia como
as muralhas de Jericó e o evangelho possa entrar de novo dentro destas igrejas
que por agora apostam pela lei e tradições centradas na normativa hetero. Por
esta razão, umas e outras, continuaremos a fazer soar as trompetas à sua volta.
Muito obrigado, Esther, pelas tuas perguntas e respostas,
foi um prazer conversar contigo. Que a gravidez corra bem e que possais
disfrutar dento de meses de uma das experiências mais gratificantes e por sua
vez complicadas a que mulheres e homens nos enfrentamos: ser mães e ser pais.
EB:
Obrigado por esta conversa, Carlos. Abraços
Carlos Osma
Tradução de Aníbal Liberal Neves
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